6 de abr. de 2010

Uma carta a um Amor e a um Feijão*

Fazia um tempo que ele havia se trancado em casa, não falava com ninguém, não aparecia na janela, simplesmente sentado ao sofá, lendo e relendo suas letras, a grande maioria melancólica. As vezes ele pegava uma caneta e fazia alguns rabiscos no papel, estava tentando lembrar do tempo em que ele desenhava na escola.

"Falando como um simplório experiente que obviamente preferiria ser um efeminado, infantil e chorão. Este bilhete deve ser fácil de entender."

Há pouco menos de 6 anos, o mundo dele havia mudado. Para muitos, para melhor. Para ele, foi horrível. Perdido em seus devaneios, ele lembrou de um tempo em que ele era apenas mais um entre muitos, gritando e protestando pelas ruas de Seattle, tocando o seu som na Fecal Matters, fazendo um negócio tão sujo quanto os políticos faziam.

Na época, eram meados de 1983 e a juventude estava em ebulição e os moleques de Seattle invadiam as ruas envoltos por uma revolta contida. Em 1985, ele conheceu outro cara, um cabeludo estranho e magrelo, que se juntou a ele e descobriram um interesse mútuo pela agressividade punk.

"Todas as advertências dadas nas aulas de punk rock ao longo dos anos, desde minha primeira introdução a, digamos assim, ética envolvendo independência e o abraçar de sua comunidade, provaram ser verdadeiras."

Agora lembrando, ele não acredita nas proporções que tudo isso tomou. No início era só uma brincadeira, eram adolescentes que entraram numa onda musical diferente, uma espécie de experimentações que juntava de tudo um pouco, um som sujo e completamente displiscente soava daqueles instrumentos. O mundo clamava por um estilo que juntasse o punk rock com o hardcore - e o grunge surgiu.

"Há muitos anos eu não venho sentindo excitação ao ouvir ou fazer música, bem como ler e escrever. Minha culpa por isso é indescritível em palavras."

Ele não entende como tudo isso foi acabar assim, como ele foi parar enfiado na casa dele? Envolto de um monte de papéis, muitas drogas e completamente sozinho, alguns dias atrás ele ainda estava em cima do palco fazendo tudo aquilo que ele sempre amou, esquecendo um pouco dos problemas que ele passou, da separação dos pais, do suicídio dos tios e muitas outras coisas.

"...quando estou atrás do palco, as luzes se apagam e o ruído ensandecido da multidão começa, nada me afetava do jeito que afetava Freddie Mercury, que costumava amar, deliciar com o amor e adoração da multidão – o que é uma coisa que totalmente admiro e invejo. O fato é que não consigo enganar vocês, nenhum de vocês. Simplesmente não é justo para vocês e para mim. O pior crime que posso imaginar seria enganar as pessoas sendo falso e fingindo que estou me divertindo 100 por cento. Às vezes acho que eu deveria acionar um despertador antes de entrar no palco. Tentei tudo que está em meus poderes para gostar disso (e eu gosto, Deus, acreditem-me, eu gosto, mas não o suficiente). Me agrada o fato de que eu e nós atingimos e divertimos uma porção de gente."

É, exatamente isso, uma porção de gente no mundo inteiro, mas não foi o suficiente, para ele havia acabado por ali. Um dos amigos já sabiam, ele havia chegado ao ápice, se não acabasse agora, as coisas iriam começar a piorar. A decadência ia acontecer e as pessoas iam acabar esquecendo tudo que haviam passado juntos. E ele não podia suportar isso, ele amava demais as pessoas. Havia empatia demais nele para suportar o esquecimento.

E então, caminhando de um lado para o outro na sala, com uma arma na mão, ele se pergunta "por que você simplesmente não aproveita?", ele não aceita a frustração, não aceita a possível separação do casamento dele com a esposa, não quer que a filha passe por tudo aquilo que ele passou. Ele não quer que ela se espelhe nele, enquanto muitos outros veriam nele alguém a seguir, ele simplesmente quer que a filha apague as memórias que tem dele.

"Tenho uma esposa que é uma deusa, que transpira ambição e empatia, e uma filha que me lembra demais como eu costumava ser, cheia de amor e alegria, beijando todo mundo que encontra porque todo mundo é bom e não vai fazer mal a ela. Isto me aterroriza a ponto de eu mal conseguir funcionar. Não posso suportar a ideia de Frances se tornando o triste, autodestrutivo e mórbido roqueiro que eu virei."

Novamente sentado, terminando os últimos rabiscos de sua carta, talvez uma carta que nunca ninguém vai ler e ninguém vai entender, afinal sua letra é feia demais para isso e ele está tanto tempo trancado dentro daquela casa que o mundo deve ter esquecido dele, então é de se esperar que não o procurem, pelo menos não nos próximos dias. Com a arma na mão, uma tontura na cabeça de tantas drogas, ele resolve acabar com seus problemas e não ser esquecido. Pelo menos, não aos poucos.

"Eu sou mesmo um bebê errático e triste! Não tenho mais paixão, então lembrem, é melhor queimar do que se apagar aos poucos. Paz, Amor, Empatia. Kurt Cobain. Frances e Courtney, estarei em seu altar. Por favor, vá em frente, Courtney, por Frances. Pela vida dela, que vai ser tão mais feliz sem mim. EU TE AMO, EU TE AMO!".






*O título foi tirado dos nomes de Courtney Love e Frances Bean, que traduzindo seria Courtney Amor e Frances Feijão.

11 comentários:

Cissa Mada disse...

Nossa, isso foi íntimo.

Puxou bem pro jornalismo literário, mto bom.

7 de abril de 2010 às 00:34
Brunão disse...

Realmente contou detalhes, muito bem escrito, parabéns.

Visite meu blog: http://brunaorsj.blogspot.com

7 de abril de 2010 às 00:59
LightSpeed disse...

cara você esta de parabens,o texto ficou bem jornalistico.

a materia é boa,estranho porque eu tava ouvindo umas musicas do nirvana.

7 de abril de 2010 às 01:35
Samarav disse...

Muito bem escrito, está lindo,
com bons detalhes ;)

beijos

7 de abril de 2010 às 10:36
Je disse...

Como seria o cenário musical se ele não tivesse ido?

As vezes paro pra rememorar a adolescencia.. não tinha um, na minha roda, que não fosse meio kurt.. as camisas xadrez amarradas na cintura, os jenas destruidos..

Saudade das rodas e do tempo que o que faziamos era deixar o tempo passar..

7 de abril de 2010 às 11:09
Pobre esponja disse...

Até para se suicidar Kurt foi um gênio.
Triste as drogas, esta parte toda; o que alumia isso é a sinceridade dele para com a arte.
Um gênio: cada letra tecida como só um gênio o faz.
Estou lendo a biografia dele, e sou fã do Nirvana até de óculos.

abç
Pobre Esponja

7 de abril de 2010 às 11:43
Anônimo disse...

Kurt, é um gênio (em todos os sentidos)! *-*

Abraços.
Vou lhe seguir! Ficarei grata se vc me seguir tbm!

7 de abril de 2010 às 12:08
Herbertt disse...

Realmente bem elaborado.

7 de abril de 2010 às 14:25
Unknown disse...

A minha amiga nirvaninha precisa ver isso...ela vai adorar!!!
vou repassar seu blog pra ela viu!!

7 de abril de 2010 às 15:02
Thamyzinha Iwasaki disse...

ficou lindissimo, vc escreve divinamente bem e pude apreder um pouco mais lendo voce, obg^_^

se possivel da uma passada no meu blog, adoraria ver sua opinião com relação a minhas composições

http://thamyzinhaeminhascomposicoes.blogspot.com/

xau

7 de abril de 2010 às 15:20
gAng disse...

Até para se suicidar Kurt foi um gênio. [2]

O texto foi mt bem escrito e...

Nirvana Rulez!!!

7 de abril de 2010 às 20:38