18 de nov. de 2009

Entrevista: João Daniel Tikhomiroff

O diretor publicitário João Daniel Tikhomiroff, arriscou sua primeira empreitada como diretor de um longa-metragem no filme Besouro, que conta a história do lendário capoeirista baiano, de mesmo nome, trilhando caminhos entre o real e o imaginário.

João Daniel é o diretor brasileiro mais premiado no festival de publicidade de Cannes e presidente do Grupo "Etc...", uma empresa que integra produtoras como Mixer, Coffee Produções, CB Filmes e Pan Filmes, além de ser filho de Daniel Michael Tikhomiroff, diretor da Universal Pictures no Brasil.



O que tu achas do filme “Salve Geral” ter sido escolhido para representar o Brasil no Oscar 2010, sendo que ele é mais um filme que demonstra pobreza e violência, como os outros já escolhidos?
É uma situação delicada comentar, por não ter sido o Besouro o escolhido, mas eu desejo muita boa sorte para o “Salve Geral”, que dê super certo, para o Brasil é bom e é importante. Eu não vi o filme, então eu estaria sendo injusto ao fazer qualquer comentário, seja positivo ou negativo. Fui até convidado para a pré-estreia, mas eu estava envolvido com o Besouro.


E quanto a escolha dos filmes...
Eu acho que a escolha pela comissão, cinco ou seis pessoas, é muito difícil, muito subjetivo, muito delicado, quero dizer que não tem méritos nem deméritos de nenhum filme, daqueles que estavam ali entre os dez. Tenho certeza que o Salve Geral tem seus méritos e vamos torcer que dê certo. Enquanto isso, vamos seguir o caminho do Besouro para outros festivais e quem sabe trilhar o mesmo caminho de Cidade de Deus, que não foi escolhido pela comissão brasileira e acabou sendo indicado pela própria comissão do Oscar. O importante é que ele seja visto lá fora, que a gente atinja a repercussão internacional que esperamos.


Não te incomoda dirigir um filme diferente do padrão brasileiro, sendo que a visão do Brasil levada para o exterior mostra sempre mais pobreza e violência, realçando problemas sociais brasileiros?
Foi o que mais me atraiu na verdade, poder assumir um projeto mais original, mais inovador, um caminho talvez nunca trilhado pelo país. Eu sempre fui movido a desafios dentro da minha vida profissional e como diretor de cinema. No momento que eu tive essa opção de fazer meu primeiro longa, com um trabalho que tivesse uma possibilidade de originalidade tão incrível e tão intensa, eu fiz.


E sobre o público internacional...
Eu nem estou tão preocupado com o que o “lá fora” vai ver, eu quero muito saber o que o brasileiro vai ver, eu acho que o brasileiro não se vê muito no cinema, não dá esse valor à sua própria cultura, a sua própria forma de ser e a sua história, né? Esse é um filme que resgata a história, né? É baseado em fatos reais e lendas, ele tem uma mistura de fantasia e realidade e esse foi o caminho que me encantou, trilhar entre esses dois mundos, sabe?


Aproveitando que tu comentaste sobre trilhar o caminho do imaginário e do real, como foi a produção do filme?
Foi muito difícil, mas, ao mesmo tempo, foi estimulante. Esse foi um trabalho que eu maturei muitos anos, foram quatro anos e meio mais ou menos. Conversei com vários colaboradores, na fase do roteiro, depois conversei com a equipe que trabalhou no filme, como o diretor de arte, montador, diretor de fotografia, figurinista, todos eles. Tive o privilégio de trabalhar, certamente, com os melhores profissionais do cinema brasileiro. Eles se encantaram com a idéia e isso eu escutei de cada membro da equipe. Isso foi muito estimulante, como o filme tem essa história de fantasia e realidade se mesclando, eu tive que achar uma linguagem cinematográfica que pudesse contar essa história também da maneira mais original possível, mas que, ao mesmo tempo, eu pegasse na mão do espectador e fosse levando ele na minha história e ele fosse sofrendo e vibrando, rindo e chorando com os meus personagens. Essa com certeza foi a parte mais difícil, mas eu estou muito feliz com o resultado. Eu queria era contar essa história, mas eu queria contar do meu jeito de ver a história. Por acaso, ficou mais original e é um filme que pode surpreender muita gente.


Como foi trabalhar com o diretor de fotografia, Enrique Chediak, que é um dos dez melhores da America Latina, e com o Dee Dee, que trabalhou com Matrix, Kill Bil e O Tigre e o Dragão. Eles deram a opinião deles na produção ou só seguiram o que tu pediste?
Ah, acho que todos eles colaboram. Essa colaboração em cinema é essencial, mas evidente que em cinema o filme é do diretor, então desde o início por exemplo, o Dee Dee, eu estive na Tailândia pra fazer uma reunião oito meses antes de começar a filmar, para apresentar a história pra ele, mostrar o storyboard que eu tinha desenhado das cenas de ação pra ele entender como eu imaginava essas cenas e ao mesmo tempo pedindo a ele uma contribuição do olhar dele, com todo o talento e experiência que ele tem, pra essas cenas ficarem espetaculares.


E como ele entendeu a tua idéia?
Eu entreguei pra ele muitos DVDs de capoeira, para que ele entrasse no mundo da capoeira, porque eu queria que todos os golpes, todas as ações fossem de capoeira, não queria outras coisas que não fosse a ver com o mundo da capoeira, inclusive todos os protagonistas eram capoeiristas.


Essas cenas foram feitas de que forma?
Tem partes do filme que eu não tenho corte, é plano seqüência, a câmera meio protagonista também, coisas que só seria possível se os atores fossem capoeiristas. Algumas tem recursos cinematográficos, como uso de cabos, para as cenas ficarem mais espetaculares ainda. Isso tudo que deu essa forma de realismo e, ao mesmo tempo, alguns momentos de absurda fantasia.


Tu foste o diretor e o roteirista do filme também?
Eu fui o diretor, o produtor e, ao mesmo tempo, no roteiro eu tive minha participação, apesar de que a maior parte é da Patricia Andrade, que roteirizou “Dois Filhos de Francisco” e “Salve Geral”.


E tu, como parte do roteiro, fez muita mudança do original para o filme?
Sempre tem, até na própria filmagem, me lembro de ele estar todo reescrito e desenhado. Eu ficava rabiscando o roteiro, na véspera, à noite. Eu dormi muito pouco durante a filmagem, meu grau de excitação era tal, que ficou difícil de conseguir dormir. Eu ia pro quarto e ficava lendo as cenas que eu ia rodar no dia seguinte, aí pela própria locação, pelos próprios atores e personagens, que me contavam um pouco do que queriam, eu sentia a necessidade de que eu tinha que mudar algumas coisas. Eu ficava reescrevendo um monte de vez, algumas coisas que eu ia rodar no dia seguinte e era o desespero da minha assistente de direção, porque ela já começava aprender que eu estava trabalhando desse jeito e ela falava “João, quando você acabar de escrever me entrega a qualquer hora por debaixo da porta do quarto”, daí ela acordava de madrugada e imprimia os novos roteiros pra equipe entender as mudanças que eu tinha feito. Isso é a dinâmica do filme, tu vais entrando no processo e não pode ficar preso naquele roteiro que está na tua mão, aquele é um guia.


O Marcos Carvalho define o Besouro como parte Antonio Conselheiro, parte Zumbi dos Palmares e parte Lampião. Como tu defines o teu Besouro?
Puxa, o meu Besouro é um menino, um herói, um menino que não entendia muito bem para que ele veio, né? Ele tem uma personalidade tão forte, que é difícil até eu conseguir imaginar e juntar duas coisas. Ele tinha um lado irreverente, bandido, no bom sentido, líder e até vaidoso, como o Lampião, de ter sua liderança e inclusive a vaidade do Lampião, e ele tinha um lado de uma ingenuidade, tinha um “Q” de Tiradentes, de buscar algo, de ter um ideal. O Besouro tem essa mistura de uns personagens que a gente conhece da nossa história, mas ele tem uma história própria, sabe? O meu Besouro pelo menos tem uma historia muito própria e o que me encantou nele foi exatamente a falta de registros verdadeiros da historia.


O livro foi escrito da necessidade do Marco Carvalho em registrar a história que era essencialmente passada pela oralidade, quando tu fizeste a história tu pensaste em registrar com tua visão ou de alguma outra forma?
Foi com a minha visão mesmo, eu queria começar o filme com um dado histórico, que eu acho importante. O filme começa te localizando, “estamos em 1920, nessa época acontecia isso e tinha isso e isso” e então tu começas a se encantar com a história, se encantar com os personagens, com o Besouro com o Quero-Quero, com a Dinorá, com o Mestre. Minha idéia era quebrar um pouco os paradigmas e os dogmas do cinema, meu mestre é alto, é imponente, é forte, a maioria dos mestres é baixinho e gordinho, desde Star Wars, como o Yoda, até o Karatê Kid. Meu coronel, por exemplo, é jovem, é frágil, é maquiavélico ao extremo, é calmo, introvertido, fala mansa, já o braço direito do coronel, o Noca de Antonia, é totalmente ao contrário, praticamente um psicopata. As pessoas que eu mostrei alguns cortes do filme me disseram que nunca tinham visto um coronel como o meu, no cinema brasileiro.


Tu és o diretor mais premiado da história da publicidade brasileira, qual a importância disso para tua carreira como diretor de um longa-metragem?
A experiência que eu adquiri no meio publicitário foi muito importante, porque cada comercial tem que contar uma história, em um minuto mais ou menos, e é quase como se eu fizesse uma cena de um filme. Isso me deu uma vivência muito grande, uma experiência muito grande, porque eu aprendi a lidar com atores, histórias, e eu tinha que contar a história da melhor maneira e da maneira mais original possível também. Isso, pra mim, foi uma belíssima escola, foi daí que eu tive a coragem de assumir o meu primeiro longa, um filme com uma produção enorme, de verba muito elevada para o Brasil, com a responsabilidade de contar uma história original de uma forma completamente inédita e maluca e, ao mesmo tempo, que possa encantar o público. Então, acho que eu só conseguiria ter feito esse filme se eu tivesse tido toda essa experiência que eu adquiri durante todos esses anos.


O que tu acha da pouca importância que o brasileiro dá para o cinema nacional?
Eu acho que essa é uma questão, primeiro, de mídia, né? Que, infelizmente, durante muitos anos, de certa forma, ficou restrita a um segmento, a um target muito definido pra falar de cinema. E a mídia televisiva acabava indo só para as novelas, que o povo se encanta, é curioso ver que o público gosta tanto da dramaturgia das novelas e pouco se interessa pelo cinema brasileiro.


E quem você culparia por isso?
A culpa é dos dois lados, o cinema nacional puxou mais para um lado intelectualizado, se distanciou do público e hoje os filmes vêm mudando, pode ver que a geração mais nova dos 15 anos de idade, por exemplo, não tem nenhum preconceito com o cinema brasileiro. A nova geração tem outro olhar e isso foi causado por uma nova postura dos cineastas de fazer filmes com histórias que tem mais acesso ao grande público, sem deixar de serem filmes autorais, que também tem uma discussão importante da gente comentar por que existe uma confusão de o que é filme autoral e o que é filme popular.


E como você define isso?
Usando um pouco as palavras que Walter Salles, que eu respeito muito, ele disse em uma entrevista, há poucas semanas atrás, uma frase que resume muito bem isso “o cinema de autor é uma grande bobagem, porque afinal o ser autoral não quer dizer que não seja popular, um exemplo disso é o Charles Chaplin”, essa coisa de cinema autoral não ser popular é uma grande bobagem na opinião dele que em parte eu compartilho.


Por que tu achas isso?
Eu acho que não tem que existir essa barreira, esse preconceito, mais pro lado da inteligência, vamos chamar assim, “ah, o cinema autoral tem que ter recursos, poucos cuidados técnicos e é a alma do cinema, feito de uma forma primitiva e assim tem que ser”, pode ser também, não tenho nenhum preconceito, eu mesmo lá no começo da carreira fiz isso, mas isso não impede de tu chegar e fazer um filme como o Stanley Kubrick fez em “2001: Uma Odisséia no Espaço”, que é um filme autoral, extraordinário e que talvez seja o maior filme da história do cinema, um filme de uma produção incrível, absurda e de um grande sucesso popular.


Depois do Besouro, a gente pode esperar mais filmes de longas metragens teus?
Claro, eu já to trabalhando no próximo. Por acaso, o próximo filme é de um personagem gaúcho e é filmado no Sul do Brasil. Ainda não decidi aonde vai ser filmado, mas será, provavelmente, no litoral entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina...


E tu podes dar uma palhinha pra gente?
Eu não posso entrar em maiores detalhes ainda, mas vai ser baseado em um livro também e vai ser uma comédia satírica, não vai ser aquela coisa escrachada. Ela tem uma narrativa que vai ser bastante original, um personagem muito contraditório e extremamente contemporâneo. Se passa nos dias de hoje e, de certa forma, é um pouco da ironia de um personagem muito fascinado pela ecologia e que acaba ambicionado em um projeto louco imobiliário.

7 comentários:

Pobre esponja disse...

Quero ver esse filme, parece ser muito bom. O cinema nacional deveras ressurgiu, apesar de metades dos filmes ter meio ar de novela - elenco da Globo - coisa que desprezo (essa metade estragou o filme do Cazuza)

abç
Pobre Esponja

18 de novembro de 2009 às 17:19
Dancer disse...

Li o seu "faça um comentário"... dai pensei, uma coisa q vc n sabe, uashaus, o intrevistador é gatinho =P

Pessoas importantes, fazem coisas importantes, assim como filmes importantes =]

Eu pensei que fosse mais um filme de capoeira e a época em que o Brasil foi colonizado, mas não é, é um filme que se passa nos dias de hoje, e é comédia, outra coisa q eu nunca pensei que fosse comédia, ainda n assisti o trailer, mas irei assistir. Pelo q deu pra entender o filme é bom.

Abraços

18 de novembro de 2009 às 17:28
Coisa De Macho disse...

Quando eu fazia capoeira há uns 6 anos atrás o professor falava sobre um tal de ''besouro'' acho que é o mesmo cara, se for, e o filme for tão interessante quanto o que ele falava, vai valer a pena ver!

18 de novembro de 2009 às 23:30
Rodrigo disse...

Queria ver esse besouro desafiar o Chuck Norris!!!

18 de novembro de 2009 às 23:40
Unknown disse...

Acho legal quando filmes brasileiros focam em outra coisa que nao seja violencia,pena que o Besouro NAO TENHA SIDO INDICADO,MAS ACHEI LEGAL a posicao do Joao em torcer para o concorrente que na verdade nao e' concorrente,toda e qualquer obra cultural de boa qualidade so' tem a acrescentar para o Pai's.

Legal o blog.

19 de novembro de 2009 às 11:23
Matheus Lamb Wink disse...

Ótima entrevista, Uriel. Abraço

21 de novembro de 2009 às 20:46
Anônimo disse...

Esse filme parece ótimo mesmo... grande dica... valeu!

23 de novembro de 2009 às 15:15